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Integrante da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações do Estado de São Paulo, Guido Levi conta que no início dos anos 2000 foi chamado por um grupo de residentes em uma enfermaria de doenças infecciosas em São Paulo. Os jovens médicos estavam intrigados que nenhum exame proposto havia detectado a causa de erupções cutâneas e febre alta que haviam levado uma criança à internação.

"Ninguém sabia o que era. Os residentes disseram que iam apresentar os exames pedidos, que ainda não tinham resultados positivos, e eu falei: 'Gente, não precisa de exame nenhum. Isso é sarampo'. Eles ficaram muito desconfiados, porque nunca tinham visto sarampo", lembra Guido Levi.

O sucesso da imunização fez com que boa parte da população e até médicos esquecessem que o sarampo é uma doença grave e letal. Segundo o Ministério da Saúde, uma em cada 20 crianças com sarampo pode desenvolver pneumonia, que é a causa mais comum de morte por sarampo na infância. Além disso, cerca de uma em cada dez crianças com sarampo desenvolvem uma otite aguda que pode resultar em perda auditiva permanente. A Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) estima que, de 2000 a 2017, a vacinação contra o sarampo evitou cerca de 21,1 milhões de mortes, tornando a vacina um dos melhores investimentos em saúde pública.

"O sarampo era uma das doenças mais graves que acometiam a infância e uma das que causavam maior mortalidade. Quando fui consultor do Hospital Infantil da Cruz Vermelha Brasileira, em São Paulo, no começo da década de 1980, metade do hospital era tomada por crianças com sarampo, e com altíssima mortalidade", lembra Guido Levi, que viu as vacinas transformarem esse cenário.

A imunização conseguiu eliminar essa doença não apenas do Brasil, mas de todo o continente americano, o que foi reconhecido pela Opas em 27 de setembro de 2016. Na época, a organização lembrou que o sarampo chegou a matar 2,6 milhões de pessoas por ano no mundo antes da década de 1980. Para se ter uma ideia do que esse número representa, ele é maior do que o total de vítimas da covid-19 no primeiro ano de pandemia.

A vacinação contra o sarampo no Programa Nacional de Imunizações (PNI), que completa 50 anos em 2023, se dá por meio das vacinas tríplice viral e tetra viral. A primeira é aplicada quando a criança completa o primeiro ano de vida, e protege contra sarampo, caxumba e rubéola. Já a segunda é indicada para os 15 meses de vida, com ao menos 30 dias de intervalo após a tríplice viral.

Na tetra viral, além das três doenças da tríplice, a proteção inclui a varicela, causadora da catapora na infância e da herpes zoster na vida adulta. Quando a tetra não estiver disponível no posto, ela pode ser substituída por uma dose da tríplice viral e uma dose da vacina varicela monovalente.

Risco permanente A coordenadora da Assessoria Clínica do Bio-Manguinhos/Fiocruz (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz), Lurdinha Maia, destaca que a percepção de que o sarampo é uma doença grave não pode se perder, porque somente a vacinação em altas coberturas pode impedir que o alto nível de mortalidade retorne.

“A visão que se tem da gravidade de uma doença é muito importante. O sarampo não é uma doença trivial. A cada mil crianças, pode haver até 3 mortes. Pode haver encefalite, otite, pneumonia”, destaca ela. “Houve uma queda de 80% nas mortes por sarampo entre 2000 e 2017 no mundo. Em 2017, 85% das crianças do mundo receberam uma dose da vacina contra o sarampo no primeiro ano de vida. Mas uma única dose não interrompe a circulação e não dá a proteção necessária. E a gente precisa cumprir a meta de 95%.”

O sarampo também é uma doença que pode causar sequelas severas. A superintendente de práticas assistenciais da AACD, Alice Rosa Ramos, cita que crianças e adultos podem permanecer com grandes comprometimentos visuais, auditivos, intelectuais e físicos após um quadro de sarampo.

“São crianças que vão precisar ser cuidadas ao longo de toda vida. A pólio causa a paralisia flácida, que é o músculo atrofiado, mas molinho. Mas, tanto no sarampo como na meningite, a gente tem uma lesão cerebral. Ocorre um aumento do tônus muscular, causado por uma lesão central, com músculos muito tensos, que fazem a pessoa entrar em várias deformidades”, compara ela, que detalha: “Na visão, posso ter desde a baixa de visão até a cegueira total. Da mesma forma que no intelecto, que posso ter crianças que entendem um pouco ou que deixam de entender absolutamente tudo. E isso pode afetar um adulto também.”

Prevenível há décadas A vacinação contra o sarampo no Brasil foi iniciada em 1967, e a prevenção contra a doença já fazia parte do primeiro calendário básico de imunização dos menores de 1 ano de idade, instituído dez anos depois. Altamente transmissível, essa virose levou quase 60 anos para ser considerada eliminada do país, com o sucesso da imunização, mas apenas dois anos de baixas coberturas vacinais permitiram que ela voltasse, em 2018. Para especialistas em vacinação, esse retorno é um exemplo concreto de que não se pode relaxar com a prevenção às doenças imunopreveníveis.

Para a consultora da Opas e ex-coordenadora do PNI (Programa Nacional de Imunizações), Carla Domingues, é necessário um trabalho forte de comunicação para que a população volte a reconhecer os riscos de não se vacinar e de não vacinar seus filhos.

"Bastaram dois anos para o país ter surtos importantes, virar endêmico e perder a certificação de país livre do sarampo. É algo que pode acontecer com a pólio. Também podemos voltar a ter surtos de difteria, meningite, coqueluche. Apesar de não vermos mais essas doenças, se deixarmos de vacinar, elas voltarão a ser problemas de saúde pública."

Os riscos que esse problema pode causar vão além do adoecimento das próprias pessoas infectadas por esses vírus e bactérias, explica Carla Domingues. Como a pandemia de Covid-19 mostrou, surtos de uma doença forçam os serviços de saúde a destinar recursos humanos e físicos ao tratamento dela, o que pode prejudicar outros pacientes.

"Se hoje nós temos leitos para cuidar de acidentes de trânsito e para cuidar de doenças não transmissíveis como câncer e diabetes, é porque a gente não tem mais esses leitos sendo utilizados para doenças imunopreveníveis. Se a gente voltar a ter surtos dessas doenças, teremos um esgotamento do serviço de saúde, como o exemplo que a gente acabou de ver com a covid-19, em que doenças deixaram de ser tratadas porque precisávamos tratar a covid-19."

Esquema de duas doses A vacinação contra o sarampo sofre de um problema comum a vacinas cujo esquema vacinal requer mais de uma dose: a baixa na adesão. Em 2018, quando o sarampo voltou a causar surtos no país, a primeira dose da tríplice viral havia chegado a 92% das crianças, perto da meta de 95%. A segunda dose, porém, teve uma cobertura de apenas 76%.

A taxa de proteção era ainda pior na região amazônica, justamente onde o surto começou. No Amapá, apenas 64% receberam a segunda dose naquele ano, e, no Pará, o percentual foi de 60%.

A presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações, Mônica Levi, reforça que, além de atingir a meta, é preciso garantir que o resultado seja homogêneo. Isto é: que todos os estados e municípios ao menos se aproximem do percentual desejado.

"A gente não pode ter nichos localizados de não vacinados. Se não se põe tudo a perder. Tem que ter homogeneidade. Todos os locais têm que ter cobertura minimamente alta para que o país fique protegido", argumenta ela, que explica que o vírus consegue furar o bloqueio e entrar se um grupo específico não estiver protegido. "Não é uma preocupação só com equidade social. É claro que isso é importante. Mas, se você largar um grupo para trás, a doença vai trazer riscos para todo mundo."

Ainda em 2019, o problema da falta de homogeneidade havia sido diagnosticado pelo Ministério da Saúde, que apontou que, dos 5.570 municípios brasileiros, 2.751 (49%) não atingiram a meta de cobertura vacinal contra o sarampo em 2018. No Pará, 83,3% dos municípios não haviam atingido a meta; em Roraima, 73,3%; e no Amazonas, 50%.

Surto O surto de sarampo que teve início na região amazônica rapidamente se espalhou entre diversos estados. Em apenas um ano, o Brasil saltou de zero caso para mais de 10 mil, ainda concentrados principalmente no Amazonas, Roraima e Pará. No ano seguinte, 2019, o número de casos dobrou, para 20 mil. Naquele ano, São Paulo passou a ser o centro do surto de sarampo.

Nos anos seguintes, o surto perdeu força, mas a doença continua a circular no país. Em 2020, foram confirmados 8.448 casos e, em 2021, 676. Apesar disso, o Observa Infância (Observatório de Saúde na Infância), projeto da FMP/UNIFASE (Fiocruz e da Faculdade de Medicina de Petrópolis), mostra que a doença causou em 2020 o maior número de vítimas infantis no Brasil em quase duas décadas: foram dez mortes abaixo dos 5 anos. Entre 2018 e 2021, o número de mortes nessa faixa etária chegou a 26.

A coordenadora do Observa Infância, Patrícia Boccolini, ressalta que haver uma única morte por uma doença que já pode ser prevenida há tanto tempo já é uma tragédia.

“Mortes infantis por sarampo podem ser evitadas com uma estratégia simples e consolidada no SUS: a vacinação”, aponta.

“Isso tem que ser sempre lembrado para a população, porque essa nova geração que tem filhos agora é uma geração que não viu toda a gravidade do sarampo, da pólio e de outras doenças que já foram controladas pelas coberturas vacinais. Elas não têm essa percepção de risco, porque a grande maioria foi vacinada. Não vemos mais pessoas com sequelas nas ruas.”

Para Patrícia Boccolini, país caminha para controlar novamente o sarampo - Arquivo pessoal A pesquisadora avalia que tudo indica que o país caminha para controlar novamente o sarampo. Em 2022, foram 44 casos confirmados da doença, e, em 2023, ainda não há novos registros de diagnósticos confirmados.

“A gente está no caminho e tudo indica que houve um controle, porque não tivemos nenhum caso no ano de 2023. Porém, a gente continua ainda com baixas coberturas vacinais, apesar de todos os esforços do novo governo e da nova ministra. Isso é um sinal de alerta. Por mais que não esteja circulando, temos baixas coberturas e isso é um ambiente propício para um caso importado que possa chegar aqui. O sarampo é extremamente contagioso. Para a gente conseguir o nosso selo novamente de país livre do sarampo, temos que esperar um pouco mais para ver se a situação vai se manter.”

Agência Brasil

Você já parou para pensar por que os medicamentos têm diferentes formatos?

Comprimidos, cápsulas, drágeas em formatos redondos ou ovais, maiores, menores, em disco ou mais espessos... As particularidades de cada apresentação podem influenciar principalmente no tempo de ação do fármaco no organismo, explica o biólogo Fabiano Agrela, membro da Royal Society Biology.

comprimidos

"O formato dos comprimidos (redondo, oval, disco), [o modo] como ele é concebido e sua composição podem afetar a área de superfície e a taxa e velocidade de dissolução, assim como a absorção no corpo. Isso acontece porque diferentes formatos possuem diferentes áreas de superfície, o que pode influenciar a rapidez com que o medicamento se dissolve e é absorvido." Agrela afirma que comprimidos redondos podem ter uma área de superfície menor, levando a uma liberação mais lenta.

Já os comprimidos ovais ou em forma de disco podem ter áreas superficiais maiores, o que pode acelerar a liberação do ingrediente.

A espessura também pode interferir na liberação do medicamento.

Comprimidos mais espessos podem demorar mais para se dissolver completamente, resultando em uma liberação mais lenta dos componentes, enquanto os comprimidos mais finos tendem a se desmanchar mais rapidamente e, em consequência, têm uma ação mais ágil.

Ele alega ainda que alguns medicamentos possuem formatos específicos.

"Por exemplo, os medicamentos de liberação prolongada têm, frequentemente, formatos especializados para permitir uma liberação gradual e controlada ao longo do tempo. Além disso, alguns remédios podem ter revestimentos especiais para proteger o estômago ou aumentar a absorção." Agrela acrescenta que as formas dos medicamentos podem influenciar no melhor horário para tomá-los.

Remédios de liberação prolongada podem ser mais adequados para ingestão à noite, enquanto os medicamentos que necessitam de ação rápida podem ser tomados pela manhã.

Tipos de apresentação O farmacêutico e naturopata Jamar Tejada esclarece o funcionamento das principais apresentações de medicamentos oferecidos de forma sólida: comprimido, cápsula e drágea.

  • Comprimido: é produzido a partir da compressão dos fármacos e componentes adjuvantes (diluentes, estabilizadores, desintegrantes e lubrificantes) em equipamentos específicos e pode ser feito em diversos formatos. Já a pílula, termo já em desuso, é semelhante ao comprimido, possui formato esférico.

Normalmente, os comprimidos funcionam melhor para medicamentos que têm ação por via oral. Existem diversos tipos de comprimidos: de ação lenta/prolongada, mastigáveis, efervescentes, de revestimento entérico (substância que protege a mucosa do estômago e começa a agir no intestino) e sublinguais.

"Se um comprimido liberar o medicamento muito rapidamente, seu nível no sangue pode se tornar muito elevado e causar uma resposta excessiva. Se o comprimido não liberar o medicamento com rapidez suficiente, grande parte dele pode ser eliminada nas fezes sem ter sido absorvida, e os níveis sanguíneos podem ficar muito baixos. Os laboratórios farmacêuticos formulam o comprimido para liberar o medicamento na velocidade desejada", alega Tejada.

Entre as vantagens dos comprimidos estão a sua boa estabilidade físico-química, a precisão na dosagem e sua fácil administração. No entanto, o problema que apresentam é a impossibilidade de ajuste de dose, como é possível fazer com a cápsula.

  • Comprimido sublingual: é um formato que passa a agir já na mucosa oral e vai entrar diretamente na corrente sanguínea, sem sofrer os efeitos do suco gástrico e do metabolismo hepático de primeira passagem. Vai se dissolver sob a língua e produzir os efeitos terapêuticos em poucos minutos após a administração, com rápida absorção devido aos vasos sanguíneos abundantes nessa região. Sendo assim, esse comprimido alcança o sangue do paciente em cerca de 1 minuto, tendo concentração máxima entre 10 e 15 minutos.

O farmacêutico afirma que, entre as vantagens desse tipo de comprimido, estão o fácil acesso e administração e o fato de ele não ser inativado pelo suco gástrico. No entanto, os comprimidos sublinguais não podem ser utilizados em crianças nem em pacientes inconscientes.

Tejada lembra que esse tipo de comprimido não deve ser mastigado nem engolido, para que sua eficácia não diminua, e que pacientes fumantes só podem fazer o uso de cigarros após a absorção total do medicamento, devido às propriedades vasoconstritoras da nicotina.

  • Cápsula: é um revestimento solúvel que envolve medicamentos e outros aditivos. Ele pode ser duro ou mole, em formatos e tamanhos variados, geralmente composto de gelatina. Esse revestimento se dilata e libera seu conteúdo quando fica molhado. O tamanho das partículas e as características dos aditivos afetam a velocidade com que o medicamento se dissolve e é absorvido. Os medicamentos em cápsulas que contêm líquido tendem a ser absorvidos mais rapidamente do que aqueles em cápsulas que contêm partículas sólidas.

As cápsulas moles recebem medicamentos em formato de óleo ou outras formas não sólidas, enquanto as duras recebem medicamentos em pó. São muito usadas em farmácias de manipulação, já que permitem a inserção de diversos princípios ativos em quantidades personalizadas.

Apresentam facilidade na administração e melhor conservação, permitem administrar substâncias que têm sabor desagradável ou podem causar enjoos, liberam rapidamente os fármacos depois da ingestão e, além disso, admitem uma prescrição personalizada.

Tejada adverte que as cápsulas não devem ser abertas, pois isso pode alterar o efeito da medicação quando o conteúdo é retirado. Esse tipo de administração é contraindicado para crianças e idosos caso o tamanho da cápsula seja grande. Drágea: é um tipo de comprimido, mas é revestido de açúcar e corante (processo chamado de drageamento). As drágeas são mais fáceis de ser engolidas, além de possuírem o revestimento de açúcar, que mascara sabores e odores desagradáveis de alguns princípios ativos. É indicada para fármacos que oxidam com mais facilidade.

Esse tipo de revestimento tem sido considerado uma tecnologia ultrapassada, já que é um processo caro, depende muito da habilidade de quem o realiza e pode resultar em drágeas com diferentes dimensões e pesos, mesmo que no mesmo lote.

R7

Foto: Pixabay

O caso de uma jovem que viralizou no TikTok ao dividir com os seguidores momentos de sua vida com o que seria TDI (transtorno dissociativo de identidade) alimentou uma série de discussões nas redes sociais nos últimos dias. A garota aparenta ter domínio sobre a troca das identidades, que seriam 18, segundo ela. Mas houve quem desconfiasse disso. Outras pessoas que dizem ter o transtorno também têm ganhado atenção no TikTok. Estima-se que, globalmente, o transtorno dissociativo de identidade afete entre 1% e 5% da população, sendo que quadros mais graves estão presentes em 1% a 1,5%.

A confirmação clínica do TDI, todavia, pode demorar. Um estudo publicado em 2014 na revista científica Psychiatry afirma que pacientes podem passar de cinco a 12,5 anos em tratamento antes de terem o diagnóstico — a tiktoker foi diagnosticada após cerca de um ano.

O DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais), guia da Associação Americana de Psiquiatria, auxilia médicos na definição dos quadros com base em uma série de critérios. No caso do TDI, são cinco.

Segundo a publicação, "apenas uma minoria [dos pacientes com TDI] se apresenta ao atendimento clínico com alternância observável de identidades", algo que dificulta a identificação dos sintomas.

"O diagnóstico de transtornos dissociativos complexos (TDI ou transtorno dissociativo não especificado, TDNE) é desafiador por várias razões. Em primeiro lugar, os pacientes demonstram um alto nível de evitação e raramente relatam sintomas dissociativos espontaneamente, a menos que sejam questionados diretamente", afirmam, em um artigo na revista Frontiers in Psychology publicado em 2021, o psicoterapeuta Igor Jacob Pietkiewicz e colegas, do Centro de Pesquisa sobre Trauma e Dissociação, da Universidade de Ciências Sociais e Humanas SWPS, na Polônia.

Psiquiatras e psicólogos são orientados pelas diretrizes já estabelecidas a buscar por duas características: "alterações ou descontinuidades repentinas no senso de si mesmo e de domínio das próprias ações" e "amnésias dissociativas recorrentes".

Essa última envolve as perdas de memória do paciente durante o período em que a outra identidade ("alter") assume o controle da consciência.

"Dessa forma, indivíduos com transtorno dissociativo de identidade podem relatar que se encontraram de repente na praia, no trabalho, em uma boate ou em algum lugar em casa (p. ex., no armário, na cama ou no sofá, em um canto) sem lembrar como aí chegaram. A amnésia em indivíduos com transtorno dissociativo de identidade não se limita a eventos estressantes ou traumáticos; essas pessoas com frequência também não conseguem recordar os eventos cotidianos", explica o DSM-5.

Quem tem transtorno dissociativo de identidade frequentemente sofre de depressão, ansiedade, abuso de substâncias e outros problemas de saúde mental. Pode apresentar dificuldade em reconhecer ou esconder perturbações na consciência ou amnésia, salienta o manual.

Muitos relatam flashbacks dissociativos, em que revivem eventos traumáticos com perda de contato com a realidade e amnésia subsequente. Traumas, incluindo abuso na infância, são comuns, assim como automutilação e comportamento suicida.

Diagnósticos diferenciais A psiquiatra Fernanda Sassi, do Ambulatório dos Transtornos de Personalidade e do Impulso do IPq (Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP), explica que, "como o TDI tem muitos diagnósticos diferenciais mais frequentes, o paciente precisa ser acompanhado por um período" para que sejam descartadas outras condições.

O TDI pode ser confundido, por exemplo, com esquizofrenia ou outros transtornos psicóticos, transtorno de personalidade borderline, transtorno de estresse pós-traumático.

"O diagnóstico diferencial mais comum é o transtorno de personalidade borderline. O transtorno de personalidade borderline também está associado a extenso trauma, que frequentemente se manifesta com sintomas micropsicóticos e dissociativos", diz um artigo publicado neste ano, na biblioteca de recursos médicos online StatPearls, pelos psiquiatras Paroma Mitra (Escola de Medicina da Universidade de Nova York) e Ankit Jain (Instituto de Psiquiatria da Pensilvânia).

Outra possibilidade é que o paciente que diz sofrer de TDI tenha, na verdade, um transtorno que envolve a simulação de uma doença.

É possível fingir ter TDI? "Na psiquiatria, quando alguém diz ter e tenta convencer as pessoas de que tem uma doença para ter ganhos secundários, chamamos de transtorno factício. Porque, mesmo que a pessoa não tenha a doença que diz ter, para usar tal recurso deve haver um sofrimento que merece ser ouvido", observa Fernanda.

A médica Julia Trindade, psiquiatra pós-graduada em neurociências do comportamento e membro da ABP (Associação Brasileira de Psiquiatria), ressalta que há pacientes que buscam atendimento para TDI, mas que não têm o transtorno.

"O que pode acontecer, inclusive tem alguns registros na literatura, é que o transtorno dissociativo de identidade, quando as pessoas vão ser avaliadas, na verdade é um transtorno factício."

O DSM-5 inclui como características do transtorno factício: a "falsificação de sinais ou sintomas físicos ou psicológicos, ou indução de lesão ou doença, associada a fraude identificada"; "o indivíduo se apresenta a outros como doente, incapacitado ou lesionado"; "o comportamento fraudulento é evidente mesmo na ausência de recompensas externas óbvias"; "o comportamento não é mais bem explicado por outro transtorno mental, como transtorno delirante ou outra condição psicótica".

Ainda de acordo com o guia médico, as pessoas com transtorno factício autoimposto "correm o risco de sofrer grande sofrimento psicológico ou prejuízo funcional ao causar danos a si mesmos e a outros", o que afeta familiares, amigos e profissionais de saúde.

O livro aborda ainda a simulação do transtorno dissociativo de identidade. As pessoas que assim o fazem tendem "a relatar de forma exagerada sintomas muito conhecidos do transtorno, como amnésia dissociativa, ao mesmo tempo que relatam bem menos sintomas comórbidos menos divulgados, como depressão".

"Indivíduos com transtorno dissociativo de identidade simulado tendem a não estar perturbados pelo transtorno e até mesmo gostar de 'tê-lo'. Por sua vez, aqueles com transtorno dissociativo de identidade genuíno tendem a sentir vergonha e a ficar arrasados com seus sintomas, não os relatando com frequência ou negando sua condição."

Em 1999, pesquisadores já haviam observado a dificuldade de distinguir sintomas simulados inconscientemente ("imitação de TDI") do chamado "TDI genuíno".

Em artigo publicado no The Journal of Psychiatry & Law, Nel Draijer e Suzette Boon destacam que uma minoria dos pacientes apresenta TDI genuíno e extravagante (apresentação dos sintomas marcada por comportamentos excessivamente teatrais, dramáticos ou provocativos) e personalidade histriônica coexistente (comportamentos dramáticos e busca de atenção).

Justamente por haver essa minoria, é possível que os casos em que os sintomas são simulados sejam confundidos até mesmo por profissionais experientes, segundo os autores.

Falsos-positivos O estudo conduzido por Pietkiewicz identifica sinais de alerta para reconhecer casos falsos-positivos ou imitados de TDI, como a expectativa de confirmar o autodiagnóstico de TDI, sugestões anteriores de TDI sem avaliação clínica completa e familiaridade com os sintomas do transtorno por meio de leitura, vídeos ou grupos de apoio.

O psicoterapeuta afirma que até mesmo as diretrizes da OMS (Organização Mundial da Saúde), como a CID-11 (Classificação Internacional de Doenças, 11ª edição) e o próprio DSM-5 não fornecem instruções específicas para diferenciar os transtornos de personalidade dos transtornos dissociativos com base no relato de sintomas.

O artigo ressalta que há ferramentas limitadas para distinguir entre casos falso-positivos e falso-negativos de transtorno dissociativo de identidade, tornando a avaliação precisa e os procedimentos psicoterapêuticos apropriados um desafio.

"Autores que escreveram sobre pacientes diagnosticados de forma inadequada com esse transtorno utilizaram termos como 'simulação' ou 'TDI fictício' (Coons e Milstein, 1994; Thomas, 2001). De acordo com Draijer e Boon (1999), ambos os rótulos implicam que os pacientes simulam intencionalmente sintomas, seja por ganhos externos (benefícios financeiros ou justificação de suas ações em tribunal) ou por outras formas de gratificação (por exemplo, interesse de outras pessoas), embora em muitos casos sua motivação não seja totalmente consciente. Receber um diagnóstico de TDI também pode fornecer estrutura para o caos interior e experiências incompreensíveis, e estar associado à esperança e à crença de que é real. Por outro lado, erros de diagnóstico frequentemente resultam em planos de tratamento e procedimentos inadequados", diz um trecho da publicação.

Ainda conforme o estudo, pacientes que recebem um diagnóstico falso-positivo podem simular sintomas sem querer, muitas vezes devido à falta de plena consciência de suas motivações. Essas pessoas podem se autodiagnosticar com base em informações que encontram na internet, por exemplo, levando a relatos imprecisos dos sintomas durante as avaliações.

O trabalho, que contou com 85 pessoas que relataram níveis elevados de sintomas dissociativos, mostrou endosso e identificação com o diagnóstico de TDI, a noção de partes dissociativas que justificam a confusão de identidade, o impacto da aquisição de conhecimento sobre TDI na apresentação clínica e a decepção ou raiva experimentada quando o TDI é descartado.

R7

A dor crônica na perna direita foi um tormento na vida da pintora Frida Kahlo, um dos maiores nomes das artes plásticas da América Latina. Infectada pelo poliovírus aos 6 anos, a mexicana teve que conviver toda a vida com as sequelas da poliomielite, que deixaram a perna atrofiada, mais fina e curta que a outra. Acometido pelo mesmo vírus, o jornalista Boris Casoy só começou a andar aos 9 anos de idade, depois de uma cirurgia feita nos Estados Unidos para tratar sequelas causadas pela poliomielite. O compositor canadense Neil Young também precisou reaprender a andar após se recuperar de um quadro da doença, que quase o levou à morte.

vacinas

Histórias como essas só se tornaram raras devido à vacinação contra a poliomielite. A imunização avançou com mais força na segunda metade do século 20. Antes que isso acontecesse, a doença paralisava mil crianças por dia no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde – por isso passou a ser temida e mais conhecida com o nome de paralisia infantil.

Especialista em vacinas e integrante da Comissão Permanente de Assessoramento em Imunizações do Estado de São Paulo, o médico Guido Levi explica que há um consenso internacional de que as vacinas foram o fator de maior impacto na saúde humana nos últimos anos, sendo tão importantes quanto o acesso ao saneamento básico e à água potável.

"Calcula-se que, no mundo todo, nos últimos 200 anos, a vacinas seriam responsáveis por um aumento médio de 30 anos no tempo de vida das pessoas. No Brasil, isso ocorreu em um período muito mais curto e mais recente. No início da década de 1970, o tempo de vida médio da nossa população era de 45 anos. Hoje, é mais de 75 anos. O principal fator para isso foi a criação do Programa Nacional de Imunizações [PNI], em 1973", afirma.

"Todos que temos mais idade ou estudamos esse período vimos crianças com muletas, pernas mecânicas ou coisas piores. Quando a doença acometia os nervos que controlavam a respiração, a criança ia para um pulmão de aço, uma máquina que fazia sua respiração artificialmente. E, lá, elas entravam para ficar o resto da vida. Visitei uma enfermaria de pulmão de aço e foi uma das coisas mais chocantes que aconteceram na minha carreira profissional."

Varíola erradicada A poliomielite é um dos casos mais emblemáticos dessa transformação, mas não foi o primeiro. Em 1980, as vacinas levaram a humanidade a erradicar a varíola, enfermidade responsável por milhões de mortes e associada a crises sanitárias ao longo da história, como a epidemia que culminou na Revolta da Vacina, no Brasil. Para se ter uma ideia da gravidade da varíola, é preciso destacar que a doença fez 300 milhões de vítimas apenas no século 20. A dimensão desse número supera as mortes causadas pelas duas guerras mundiais e o Holocausto nazista, além de diferentes estimativas de vítimas da colonização europeia na América.

A coordenadora da Assessoria Clínica do Bio-Manguinhos/Fiocruz (Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos da Fundação Oswaldo Cruz), Lurdinha Maia, destaca que erradicar uma doença como essa é a maior prova dos benefícios da vacinação. "A importância da vacinação na idade certa e no tempo adequado tem como maior exemplo não termos mais a varíola no mundo inteiro. Essa é uma doença terrível, que dizimou a população mundial. Quando a gente fala de pólio, o último caso no Brasil foi em 1989, em Souza, na Bahia. E o último caso nas Américas foi em 1994. Infelizmente tivemos agora um caso no Peru. Isso deixa em alerta todos os países vizinhos."

A história das vacinas e a história da varíola se misturam, uma vez que o primeiro imunizante do mundo foi desenvolvido para prevenir contra essa doença. O inglês Edward Jenner, no século 18, inventou a primeira vacina na tentativa de conter a varíola, e conseguiu amenizar os casos graves em pacientes vacinados. As primeiras epidemias de varíola foram oficialmente registradas na Europa durante a Idade Média, no século 10. Cientistas investigam, porém, vestígios muito anteriores que indicam possibilidades de casos no Antigo Egito, nas Cruzadas e navegações vikings.

No Brasil, a história da doença está relacionada à colonização, e o primeiro surto registrado de varíola ocorreu em meados de 1555, quando a enfermidade foi introduzida no Maranhão por colonos franceses. O tráfico de africanos escravizados e a imigração portuguesa também causaram surtos no país, do litoral para o interior. A eliminação da doença no Brasil é anterior à criação do PNI, e se deu em 1971, seis anos antes do último surto no mundo, registrado em 1977, na Somália. Em 2023, o programa completa 50 anos.

Vitória contra a pólio No Brasil, as campanhas contra a doença ganharam força na década de 1980, e o último caso registrado foi em 1989. Pesquisador de Bio-Manguinhos/Fiocruz desde a década de 1960, Akira Homma participou do trabalho de estruturar a produção das vacinas contra a poliomielite no Brasil, decisivo para que a doença fosse erradicada.

Homma integrou, como técnico, os primeiros testes da vacina oral contra a poliomielite no país, na década de 1960, no Instituto Adolfo Lutz, e ajudou a organizar o laboratório de virologia quando entrou na Fiocruz, em 1968, participando do isolamento e caracterização do vírus da pólio. Após experiências no exterior, Homma chegou à direção de Bio-Manguinhos nas décadas de 1970 e 1980, quando a produção da vacina oral no Brasil foi de fato estruturada.

Ele destaca que fabricar a vacina no país foi de extrema importância, mas a mobilização social para que as vacinas chegassem às crianças na época, por meio dos dias nacionais de Vacinação, também teve um papel central.

"O governo federal possibilitou a adesão de todos os ministérios à campanha, e também toda a sociedade brasileira foi envolvida nesse processo. Houve uma motivação muito grande da sociedade e até da iniciativa privada. Houve a participação de milhares de voluntários, e também a mídia explicando o papel da vacinação. Em 1980, tínhamos 1.290 casos de poliomielite. Em 1981, caiu para 122. Em 1982, para 42 casos. E, em 1989, acontece o último caso. Esse é o impacto de altas coberturas vacinais. Em um dia se conseguia vacinar 18 milhões de crianças."

Apesar da vitória nacional contra a doença no passado, a poliomielite ainda existe de forma endêmica no Afeganistão e no Paquistão, e teve casos pontuais registrados recentemente no continente africano, nos Estados Unidos, em Israel e no Peru.

Tétano materno e neonatal Ameaça grave à saúde dos recém-nascidos, o tétano materno e neonatal era conhecido como o "mal dos sete dias", porque surgia a partir de uma semana após o parto e tinha uma evolução aguda e letal, causando contraturas musculares generalizadas que poderiam se agravar até impedir a respiração. A doença foi considerada eliminada de todo o continente americano em 2017, mas chegou a ser responsável por mais de 10 mil mortes de recém-nascidos ao ano na região. No Brasil, foi eliminada em 2012.

Os bebês são contaminados pela bactéria causadora do tétano durante o parto, por motivos como falta de condições e instrumentos esterilizados, mas a vacinação das gestantes e mulheres em idade fértil com a vacina contra dTpa (tétano, difteria e coqueluche acelular) foi um motivo decisivo para essa doença ter praticamente desaparecido, porque os anticorpos são transmitidos pela mãe aos filhos.

"Hoje, a maior parte das enfermarias de tétano que existiam está fechada, principalmente pelo uso bastante extenso da vacinação antitetânica", conta Guido Levi. "As crianças morriam rapidamente, em poucos dias. No máximo, em uma semana ou duas. Também não havia tratamento adequado."

Rubéola congênita

A eliminação da síndrome da rubéola congênita é outro motivo para comemorar o sucesso da vacinação. Transmitida pela placenta ao feto, a infecção da mãe pelo vírus da rubéola pode resultar em aborto, morte fetal ou anomalias congênitas como diabetes, catarata, glaucoma e surdez, sendo este último o sintoma que aparece primeiro. Dependendo da fase da gestação em que ocorrer a infecção, a chance de a doença atingir o feto chega a 80%.

Os últimos casos da doença foram registrados no Brasil em 2010, e a síndrome foi declarada eliminada do continente americano em 2015. A consultora da Opas (Organização Pan-Americana da Saúde) Carla Domingues ressalta que as sequelas causadas pela síndrome da rubéola congênita são irreversíveis, e, assim como em outras infecções, os problemas podem afetar diversas áreas da vida.

"São doenças que podem trazer problemas neurológicos seriíssimos que vão comprometer o lado cognitivo das crianças e o aprendizado", alerta.

Agência Brasil

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